Escolhas: entre um pedido e a dor

 Escolhas: entre um pedido e a dor
Quézia Martins Gabriel tem 38 anos, casada e mãe de três meninos: Arthur & Taylor (gêmeos) e Heitor. Nascida em Coromandel Minas Gerais e morando aqui em Londres há 9 anos, ela nos conta como deixou sua profissão de Enfermeira e Instrumentadora Cirúrgica com especialidade em Urologia para cuidar dos filhos. Ela também nos conta a história de uma escolha que custou algumas noites em claro, sua dor, sua perda e também sua felicidade por atender o último pedido da sua mãe.
Tudo começou quando Arthur e Taylor nasceram Dezembro de 2011, lindos, saudáveis e espertos. Passaram-se alguns anos e nos preparamos para receber mais um filho o: Heitor. Num momento mágico, lindo e tão esperado por toda família. Ele nasceu em 9 Outubro de 2018, forte, lindo e aparentemente saudável, porém com 10 dias de vida foi descoberto uma bactéria no sangue dele, chamada “klebsiella” devido à uma má formação no sistema urinário de Heitor. Foram 15 dias de internação e uso de medicamentos contínuo onde os dias pareciam eternos. Após o tratamento, com apenas 5 meses de vida ele foi submetido à uma cirurgia para correção do seu  sistema urinário. Tivemos dias muito difíceis porém graças a Deus a cirurgia correu como esperava e ele começou a se recuperar. Nesse meio tempo, minha mãe foi diagnosticada com um tumor maligno no seio direito, quando soube da notícia meu mundo caiu, eu precisa da força dela naquele momento e mesmo frágil eu tive que dar forças para ela, sabendo que as pessoas que mais amo naquele momento estavam passando por um momento delicado. Mais uma vez a tristeza tomou conta do meu coração. Minha vontade era de estar ao lado dela, abraçando e dizendo que tudo ficaria bem. Mas, mesmo de longe fiz o meu melhor, ligava  todos os dias,  dávamos risadas , contávamos histórias e isso me fazia sentir perto dela. Começaram os tratamentos de câncer, ela sempre positiva e forte dando forças para a família ao invés de ser ao contrário.
O tempo passou e o sonho  de comemorar o primeiro aninho de Heitor só aumentava, afinal de contas seria comemorado 2 vitórias, o renascimento dele e cura dela. Ela me ajudava a cuidar dos detalhes, me dava conselhos e como sempre foi minha melhor amiga. Em 9 meses os resultados dos seus exames estavam excelentes e a esperança crescia de tê lá curada. Sua cirurgia havia sido marcada e por ter Heitor ainda em alguns tratamentos não pudemos estar presente com ela, porém o tempo todo ela estava em meus pensamentos, pois nossos sentimentos de mãe e filha eram muito fortes. Estava correndo tudo bem, até que devido sua baixa imunidade, ela contraiu uma pneumonia. Ela não aguentou e infelizmente exatamente no dia tão sonhado do aniversário do Heitor dia 09/10/2019 às 09:00 am, recebi a pior notícia: o falecimento da minha mãe, minha melhor amiga, meu amor. Com o coração apertado, cancelei toda a festa, deixei meus filhos com parentes que moram aqui e eu e meu marido viajamos para o Brasil dar o último adeus para ela. Porém, um dia antes dela partir, ela me deixou um recado onde ela pedia que eu fizesse a festinha dele, que esse era seu último pedido. Na hora da dor não consegui pensar que isso seria tão importante. A única coisa que vinha a minha cabeça era de que eu precisava ir dar meu último adeus para ela. Mas, depois em um momento menos doloroso, um ano depois, realizei seu pedido. Comemoramos com muita alegria o aniversário do Heitor, a mistura de sentimentos vinha a todo momento. Confesso que chorei muito, mas ao mesmo tempo tenho a certeza que aonde ela estiver está feliz em nos ver comemorando o segundo aninho dele. Eu precisava deixar registrado esse momento, essa história pois sempre aprendemos com aquilo que nos marca, nos surpreende e que nos chama atenção, pois se não fosse assim poderíamos ficar sem a lição ou lembrança de momentos difíceis. As pessoas só morrem quando deixam de existir em nossos corações, cada um com seu tempo.
No período do luto é desaconselhável tomar decisões importantes, mas é importante que haja espaço para cada um de falar, ler, trocarmos experiências e principalmente não termos vergonha de mostrarmos nossas dores, pois ela não é exagerada ela é do nosso tamanho e transitória. A sombra do luto fica em nós, mas a dor pode ser amenizada com o conforto de pessoas próximas onde nos sentimos confortáveis em colocar para fora nossas dores e emoções sem sermos julgados. Precisamos de apoio para não nos sentirmos sozinhos, também sei que não existe fórmula mágica para essa dor do luto mas sim pensamentos bons que nos auxilia nessa longa caminhada. Quando alguém faz algo de bom e positivo, mesmo que ela não esteja mais aqui sua lembrança permanece, ela deixa uma marca que é até maior que ela mesma e que nem o tempo consegui desfazer, chamamos de legado que é o que vai ficar na terra depois que partimos, e minha mãe nos deixou um grande legado, o legado existe pois temos certeza do nosso fim aliás do fim da nossa presença física, porém a nossa essência pode permanecer por séculos, isso depende de quanto a sua missão de vida foi efetivamente vivida por você.
Agradeço ao meu marido Wilton, meu pai José Gabriel por serem meu escudo hoje, meus melhores amigos, meus conselheiros. Heitor, aqui fica registrado nossos parabéns meu amor, que muitos anos de vida possam vir e que você um dia possa ler e saber o quanto foi amado pela vovó Leonídia antes mesmo dela te conhecer pessoalmente, pois com certeza ela carregou consigo os mais puros sentimentos. Muito obrigada a todos que estiveram comigo nessa caminhada e que ainda estão, sem o apoio e o amor de vocês nada disso seria possível. Meu agradecimento a Deus por tudo, principalmente por nos dar a oportunidade de ter Heitor curado e receber minha mãe em seus braços.

Quézia Gabriel