O DESESPERO MANIFESTADO DE UMA CRIANÇA Magda Lizbir

 O DESESPERO MANIFESTADO DE UMA CRIANÇA    Magda Lizbir

A princípio, as crianças entre 0 e 7 anos choram muito. Fazem birra, tentam de todas as maneiras explicar à mãe que sofrem na escola, que têm medo de gato, que o avô lhes faz mal, que têm pavor de ficar sozinhas, que existem monstros atrás das janelas, que os mosquitos picam escondido entre os lençóis, que têm um nó no estômago e não conseguem comer, que, se comem a comida, dá dor de barriga, que querem ficar em casa, que não querem brincar com outras crianças, que batem nelas, que estão desesperadas e só querem um abraço. Entretanto, vão à escola, convivem com gatos, dormem na casa do avô, passam muito tempo sozinhas, ninguém as defende dos monstros, ninguém mata os mosquitos, ficam desprotegidas diante da professora, comem com nojo o prato inteiro de comida e não sabem como conseguir um abraço. São tão grandes o desespero e as ameaças recebidas pela birra que fizeram no ônibus no domingo passado que a mãe e o pai sistematizaram castigos. Agora, passam muito tempo sozinhas no quarto, sem poder ver televisão e sem comer com a família. Logo crescem e se tornam taciturnos. Na escola, não têm amigos. Preferem se fechar com seus joguinhos eletrônicos para que ninguém as incomode. Isoladas e sem interesse pelos movimentos familiares. Os pais as consideram bobas. Só querem saber de ganhar o último jogo eletrônico que apareceu no mercado. Os pais jamais o comprarão, já que a criança está de castigo. Até que um belo dia, com 13 anos e a ameaça dos adultos de deixar a criança sozinha na casa do avô, ela faz uma birra fenomenal. A diferença é que já mede um metro e sessenta. Se joga no chão, pretendendo tirar a roupa e os sapatos, batendo as pernas para que ninguém se aproxime. Em meio à
descarga de ira, aparece algum tio que foi testemunha. Esse tio liga para o médico. O médico chama o psiquiatra e voltam para casa com um diagnóstico de surto psicótico e uma lista de remédios que a mãe vai comprar. A mãe está surpreendentemente calma, porque já teve respostas: agora, encontrou o significado esperado para justificar as descargas: “Está doente”, por isso era indomável. A explicação sobre a tranquilidade que esperava. Pronto. Com a medicação, não precisará mais aguentar birras, porque, na verdade, não eram birras, eram “surtos”. Problema resolvido! Inventamos um louco. Lógico que ninguém olhou além da situação. Desde que ela nasceu, nunca ninguém esteve na sua pele, ninguém sentiu seu abandono, ninguém ouviu as ameaças da mãe dizendo que não deveria ter nascido, ninguém foi testemunha das surras que o pai deu com o aval da mãe com uma pá cheia de lama. Ninguém conteve a mãe para que não descarregar sua fúria na criança quando encontrou o pai com outra mulher. Ninguém apoiou a mãe para que dissesse uma vez, pelo menos uma vez, uma só vez na vida, uma palavra carinhosa. Ninguém propôs à mãe uma ideia original de tratamento bom, porque ela mesma não tinha aprendido. Ninguém sugeriu que revisasse seus fracassos, sua impaciência ou seu distrato. Ninguém se aproximou na escola nem na vizinhança para perguntar o que a criança gostaria de fazer. Ninguém ajudou a criança em meio a uma birra desesperada. Muito pelo contrário, todos os adultos se juntaram para acusá-la de malcriada e mal nascida. E a criança, ainda criança resistiu com pancadas, gritos e chutes. Até que a força da medicação psiquiátrica a calou.Trecho do livro: O que nos aconteceu quando éramos criança e o que fizemos com isso de Laura Gutman.

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Por Magda Lizbir Gomes
Terapeuta Holística e Facilitadora de Barras de Access.
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Tel. : (+44) 7447608050