A AGRESSIVIDADE NOSSA DE CADA DIA

 A AGRESSIVIDADE NOSSA DE CADA DIA

Nos últimos meses tenho observado com atenção a comunicação dos brasileiros na internet. A conclusão que chego é um tanto preocupante de certo ponto de vista e confesso que em alguns casos me choquei com percepção de que há muita raiva armazenada no coração de muitos.  Raiva essa, que acaba sendo descontada na ponta dos dedos de uma nova categoria de pessoas: os “haters”.

É importante salientar que a discordância é vital e indispensável para a democracia, para a construção do saber e para o crescimento da humanidade como um todo. Por outro lado, o respeito a uma opinião contrária é tão importante quanto. Diria até que é preciso compreender muito bem uma ideia ou ponto de vista de alguém, para que de forma lúcida, possamos concordar ou discordar. Para que haja discordância, precisamos de empatia e serenidade, nunca ódio, até porque o cérebro não funciona bem quando estamos inundados de cortisol e adrenalina, produzidos em larga escala quando estamos com raiva ou estressados.

Pessoas sensatas conseguem conversar e até mesmo produzir brilhantes obras, pois não há o ímpeto a tendência de assumir o papel de vencedor do embate. Cito aqui o Professor Leandro Karnal e o Padre Fábio de Melo, um é ateu, o outro um sacerdote da Igreja Católica, notoriamente pessoas de opiniões divergentes, mas de uma construção impecável de um debate sobre a fé e a espiritualidade que rendeu até um livro, “Crer ou não Crer”, obra lúcida e transparente que reflete ideias opostas sem a menor agressão, pelo contrário, marcada pelo conhecimento, posicionamento e compreensão.

Apesar de ser cristão, admirei no Professor Karnal o profundo conhecimento sobre as doutrinas do catolicismo e das escrituras sagradas, mesmo sendo ele ateu. Afinal o que eu tenho com isso? Cabe a mim respeitar seu posicionamento, ainda que tenha de conter meu desejo de vê-lo acreditando em Deus, mas o próprio o deu o direito de crer ou não, não é verdade?

É pressuposto discordar da opinião de outrem, é lícito, sólido e constitucional. Em contrapartida é completamente desnecessário utilizar-se de ofensas, calúnias e difamações sobretudo se como humano sou falho e posso cometer equívocos semelhantes ou até piores em minha breve existência no plano terreno. Creio inclusive, ainda que pareça provocativo, que encontrarei muitos ateus no céu e sentirei a falta de muitos que lá esperava encontrar. Isso claro, se para lá eu for e se minhas crenças de céu e inferno estiverem corretas (risos).

Faz-se necessário entender que ao respeitar uma opinião divergente, não assumo o papel de coautor da obra, mas exerço meu dever cívico de cidadão e utilizo da prerrogativa de carregar a classificação biológica de Homo sapiens, nada a mais que isso.

Fazendo uma análise histórica do Brasil, e a fiz com empenho antes da escrita desse texto, nossa nação não possui raízes pacíficas e não, não é culpa da colonização ou dos povos que a fizeram. Em nossa construção histórica, dizimamos milhões de vidas, sejam de índios ou escravos africanos, tivemos um golpe militar que fundou a república, depondo o melhor imperador do seu tempo, simplesmente por discordância de seu ato maior, a libertação dos escravos no Brasil.

Afora os fatos acima mencionados, tivemos inúmeras revoltas populares com ares de guerra civil, governo ditatorial, golpe militar instaurando uma ditadura que perdurou por 21 anos, com episódios criminosos em larga escala e quando em fim a democracia venceu, presenciamos uma sequência de escândalos de corrupção, impeachments, e no presente momento o caos e má admiração. Não, não sou “petista” tampouco “bolsominion”, aliás, essa polarização extremista tem distorcido o conceito de democracia e elevado um revanchismo pessoal. Não é racional pessoas discutirem política com argumentos falsos e acusações esdrúxulas. Tenho visto a defesa da democracia com uso de armas e ideologias fascistas. Nossos jovens estão confusos e nosso povo sofrido e isso tem gerado raiva, ódio, angústia e desespero da população, que insiste em achar um herói para o Brasil.

Veja a palavra democracia (DEMOS, que significa “povo, distrito” e KRATOS “Domínio, poder”, o que nos traz o significado de “poder do povo” ou “governo do povo”). Agora pergunte-se, estamos exercendo papel de governo ao nos digladiarmos nas ruas e nas redes sociais? Precisamos de retorno ao consenso, amor ao próximo, respeito as diferenças, defesa da pluralidade e predomínio da razão.

Facebook não é a Àgora grega, não é divã de psicanálise nem trincheira de combate (sim, trincheira, pois há que atire e se esconda nas valas). Redes sociais são úteis, mas não para tudo, tampouco para se infringir leis ou jogar o bom senso na lata do lixo. Espero que a quarentena nos tenha permitido profundas reflexões sobre nosso papel no mundo, no país, na cidade, no bairro, na nossa casa, pois se não soubermos manter a humanidade e a decência nesses ambientes, não podemos estar em nenhum deles. Que impere em nós mais amor, respeito, solidariedade e inteligência emocional, para que sejamos conduzidos ao verdadeiro caminho da razão.

 

 Por: João Paulo Gurgel