É tempo de grandes esperanças!

 É tempo de grandes esperanças!

Domingo ensolarado de primavera. Estação de Vitória, Londres. Destino: Portsmouth, a cidade do imortal Charles Dickens. Do trem, enquanto eu lia Grandes Esperanças e tomava notas de alguns trechos, observava a paisagem lá fora: a estação das flores estava deslumbrante, o verde se misturava com o amarelo das plantações de flores, na rapidez com que passávamos.

Assim, seguia eu, com a barulho das rodas do trem nos trilhos, o silêncio britânico nos transportes públicos e minha vontade de sentir “a alma de mais um lugar.” _ Ando meio topófila_ Pensei. Mergulhei na leitura de uma tese de doutorado a respeito de Charles Dickens, que começa assim: “Em nove de junho de 1870, no dia em que Charles Dickens morreu, aos 58 anos, enquanto a rainha lamentava no palácio de Windsor, alguém notificava uma criança que vendia frutas noutra cidade dizer _ Se Charles Dickens morreu, então o Papai Noel também irá morrer.” Sim, ele se tornou muito famoso e querido por diferentes idades e classes sociais. Todos liam ou ouviam alguém ler suas obras.

Chegamos em Portsmouth Harbour. Que atmosfera! O azul do céu não se misturava com o tom do mar que, além da imensidão do turquesa, recebia reflexos prateados do sol, enquanto um enorme navio ancorava para levar os passageiros em destino à Isle of White. Lanchas, barcos, águias, a famosa e moderna “Spinakker Tower, os charmosos cafés,  o Ferry e a imensidão do oceano. A essas alturas, minha velha câmera Nikon já capturava tudo. Parceira fiel!

Nós duas demos uma atenção especial ao velho Navio/museu, ancorado, anunciando parte de fatos escondidos no estaleiro histórico:  por ser uma região portuária, Portsmouth sofreu bastante em tempos de guerras, e o “Portsmouth Historick Dockyard” está lá, para nunca deixar essa história morrer. De vez em quando, ele se torna cenário de filme, com foi a caso de “Os Miseráveis”, dentre outros.

Foi também ali que o pai de Dickens trabalhou, e enquanto eu capturava a parte velha da cidade em direção à “Old Commercial Road”, meditava a respeito da biografia do grande romancista, que está enterrado no lugar mais honroso que um escritor poderia estar: Poet´s Corner. Dentro da pomposa Abadia de Westminster, encontra-se um lugar sagrado dos escritores, “ Esquina dos Poetas.”

Charles Dickens era de família de classe média bem baixa, viveu a pobreza de perto, devido a dívidas familiares e chegou a trabalhar numa fábrica de graxa com apenas 12 anos, o que escondeu a vida inteira, somente sua esposa e um grande amigo sabiam desse fato. Coincidência ou não, esse episódio ou temática do trabalho infantil irá aparecer, de forma disfarçada, em suas obras, como a realidade urbana da Inglaterra, considerada a “Oficina do mundo”,  na época.

O escritor de Portsmouth enriqueceu com seus romances, que eram lançados em fascículos e jornais, na época. Antes, porém, trabalhou num escritório de advogados, aprendeu o ofício e começou a fazer pequenos relatórios nas assembleias, reuniões políticas e da nobreza. Era um homem de relacionamentos, de network, e isso o ajudou a conquistar espaço. Lança suas obras em fascículos e preferia que os leitores tivessem contato constante com sua escrita. A veia jornalística nunca o abandonou, embora ele sempre trouxesse tudo para os romances em forma de ficção.

Ele tinha uma interação com as pessoas, ouvia o que diziam, enviava sua “equipe aos eventos” para anotarem sobre o que diziam, o tom de voz, os detalhes, e trazia isso para seus romances, uma espécie de “matéria viva.” O fato de ele ser já dono de jornal e de empreendimentos, facilitava a sua rede. As pessoas diziam, como aconteceu com o Machado no Rio, “nós lemos ou ouvimos a obra do Dickens para saber o que acontece na sociedade.”  Eis um grande poder da literatura, ela conta a História por meio das histórias!

Ele vendia muito, e esse foi um dos motivos pelos quais sua obra só foi aceita e valorizada pela Academia muito tempo depois. Tão aceita que chegou a ter influência linguística, pois o grande romancista, tal qual Guimarães Rosa, inventava palavras e elas se popularizavam.

Impossível não se emocionar ao chegar na rua onde Dickens nasceu. Ela fica em paralelo a uma super movimentada “motorway” , é calma, charmosa, cheia de história e emoção. Adornada com arquitetura vitoriana e georgiana, cheia de árvores , uma igreja histórica,  feita de paralelepípedos, onde a linha do antigo trem ainda se encontra.

Há muito mais o que dizer desse grande escritor, mas terminar este artigo retomando um de seus últimos romances, o qual foi adaptado para filmes: Grande Esperanças. Num tom melancólico, Pip, o protagonista, faz reflexões a respeito de valores, amizades, no final, ao lembrar do marido de sua irmã, que de verdade, o acolheu e amou muito, e ao tentar ajudar o prisioneiro que “financiou seu sucesso. De que grandes esperanças falava Dickens? Creio que cada leitor tem seu ponto de vista, mas o livro me impactou, assim como a vida do Dickens.

É maravilhoso saber que alguém obteve sucesso, cresceu, mudou de vida, de classe social, de situação financeira, por meio da literatura, da escrita, o que era a sua paixão! Mais maravilhoso ainda é ver o poder do legado eternizado. Os livros abençoam gerações futuras, e aqui estou eu, fascinada com um romance de 1861, mais contemporâneo do que nunca, pois aborda a desigualdade social. Meu querido Charles Dickens, a sua obra se imortalizou e hoje, em tempos tão difíceis, posso dizer ao mundo, por meio dela que, apesar tudo, É TEMPO DE GRANDES ESPERANÇAS, pois, como você mesmo disse:

“Ninguém pode achar que falhou a sua missão neste mundo, se aliviou o fardo de alguém.”

 

por: Sueli Lopes

Professora de língua portuguesa na PUC-Go e UFGo e Representante Internacional da revista Odisseia da Medicina, em Londres. Colaboradora na revista Zelo, escritora e coautora; além de fundadora do projeto Café Cultural.

@escritorasuelilopes

@artshout_art

lopesuzion@hotmail.com