INVEJA: um caminho para o autoconhecimento

 INVEJA: um caminho para o autoconhecimento

[quote]O que é a inveja? O que a causa e por que nós a amamos secretamente? Nenhum estudo jamais conseguiu capturar sua “solidão, longevidade, exaltação cruel” – diz Parul Sehgal, a não ser pela ficção. Numa meditação eloquente ela busca em páginas da literatura para mostrar como a inveja não é tão diferente de qualquer outra busca pelo autoconhecimento.[/quote]

De origem indiana, residente em Nova York, Parul Sehgal é uma das editoras do “The New York Times Book Review”. Detentora de vários prêmios pela excelência do seu trabalho jornalístico e de crítica literária.

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Tradução integral da conferencia de Parul Sehgal:

Bem, quando eu tinha oito anos, uma aluna nova entrou na classe, e ela era tão impressionante, como uma nova aluna sempre é. Ela tinha cabelos reluzentes e volumosos e um estojo de lápis bonitinho, sabia todas as capitais dos estados, ótima em ortografia. E eu não me aguentei de inveja naquele ano, até que eu criei um plano maligno. Então eu fiquei até mais tarde um dia na escola, um pouco tarde demais, e me escondi no banheiro das meninas. Quando a barra ficou limpa, eu surgi, me esgueirei até a sala de aula, e peguei o livro com as notas da escrivaninha do professor. E então, eu fiz. Eu mexi nas notas da minha rival, só um pouco, só diminuí alguns 10’s. Todos os 10’s. (Risos) Eu me preparava para colocar o livro de volta na gaveta, quando, espera aí, alguns dos meus outros colegas tinham notas muito boas também. Então, num delírio, eu corrigi as notas de todos, não imaginariamente. Eu coloquei 7’s. e coloquei para mim mesma vários 10’s, só porque eu estava lá, sabem, eu podia.

E eu ainda fico desconcertada com meu comportamento. Não entendo de onde veio a ideia. Não entendo por que me senti tão bem fazendo aquilo. Me senti ótima. Não entendo por que nunca descobriram. Quero dizer, deve ter ficado descaradamente óbvio. Nunca descobriram. Mas acima de tudo, fico desconcertada, por que me incomodava tanto que essa garota, essa garotinha, era tão boa em ortografia? A inveja me desconcerta. É tão misteriosa, e tão difundida. Sabemos que bebês têm inveja. Sabemos que os primatas têm. Pássaros azuis têm uma tendência. Sabemos que a inveja é a causa número um de assassinato de cônjuges.

E do que a inveja gosta? A inveja gosta de informação. A inveja gosta de detalhes. A inveja gosta de cabelos reluzentes e volumosos, de estojo de lápis bonitinho. A inveja gosta de fotos. É por isso que o Instagram fez tanto sucesso. (Risos) Proust conecta as linguagens do conhecimento e da inveja. Quando Swann tem seus ataques de inveja, e de repente ele está ouvindo pelos corredores e subornando os servos de sua amante, ele defende esses comportamentos. Ele diz: “Sabe, veja, sei que você pensa que isso é repugnante, mas não é diferente de interpretar um texto antigo ou observar um monumento”. Ele diz: “Eles são investigações científicas com valor intelectual real”. Proust está tentando nos mostrar que a inveja é intolerável e nos faz parecer ridículos, mas ela é, em seu ponto crucial, uma busca por conhecimento, uma busca pela verdade, a verdade dolorosa, e na verdade, segundo Proust, quanto mais dolorosa a verdade, melhor. Mágoa, humilhação, perda. Essas eram as avenidas para o conhecimento, para Proust. Ele diz: “Uma mulher de que precisamos, que nos faz sofrer, gera em nós uma gama de sentimentos muito mais profundos e vitais do que um homem de gênio forte que nos interesse”. Ele está nos dizendo para sair e encontrar mulheres cruéis? Não, acho que ele está tentando dizer que a inveja nos revela a nós mesmos. E será que algum outro sentimento nos expõe deste modo em particular? Será que algum outro sentimento nos revela nossa agressão e nossa terrível ambição e nosso direito? Será que algum outro sentimento nos ensina a olhar com tal intensidade peculiar?